A forma como a burguesia dá cabo a sua dominação econômica aos trabalhadores e trabalhadoras é norteada por determinadas características da superestrutura da sociedade. No Brasil, os seus instrumentos de opressão estão permeados de machismo, homofobia e racismo que se desenvolveram das particularidades da formação do capitalismo em nosso país. Esse ano, quando se completam 317 da morte do histórico lutador do povo que lutou contra a escravidão e toda a dominação de classe que estava a ela vinculada, Zumbi dos Palmares, o que vemos nos alarmantes dados divulgados sobre os casos de violência dos mais diversos órgãos que compõem o Estado é que a questão do preconceito racial está longe de ser resolvida e precisa ser entendidas dentro da dinâmica histórica da luta de classes, sem análises errôneas que subestimem ou superestimem a influência dessa nesse processo.
O racismo no Brasil é fruto da relação de classe presente na exploração colonial dos negros africanos trazidos para trabalhar nas lavouras de cana de açúcar. Desde muito tempo, a ideia de superioridade de etnias europeias em relação a outras fora usadas para justificar a dominação brutal que impunham aos povos dominados - como no caso das características dadas aos índios norte-americanos - e se repetiu com os africanos que foram explorados em diversos processos de colonização dos recursos de diversos lugares, sobre as bases do trabalho escravocrata.
O tráfico de africanos para trabalhar como escravo foi a medida encontrada para suprir a mão de obra dos índios - primeiros explorados no período da colonização das terras brasileiras - que logo adoeceram com as doenças trazidas do velho continente ou que morreram em enfrentamentos contra os colonizadores. Além de ser um negócio lucrativo para os responsáveis – portugueses e ingleses - o tráfico de escravos africanos era de preferencia dos colonizadores, como vemos em escritos da época, por serem classificados mais aptos quando comparados com os índios sul-americanos por possuir maior resistência e adequação ao trabalho escravo – análises que podem ser explicadas pelas já instituídas relações de trabalho agrícola em diversas regiões da África.
Sobre esse processo tem enorme importância as lutas de resistência contra esses abusos cometidos pela elite. Dentre elas, tem enorme significância a experiência vivida no Alagoas - centro da produção e escoamento do açúcar no Brasil - que teve inicio com a fuga de aproximadamente 40 escravos, em 1580, das Senzalas de um grande engenho da Capitania e que se instauraram no interior das matas da Serra da Barriga - que por eles recebeu o nome de Palmares pela grande quantidade de palmeirais da região. Deram inicio a um processo de permanência no local. Pela riqueza da área, rica em árvores frutíferas, estes homens conseguiram se desenvolver nessa região, distante das perseguições dos capitães do mato, que com o tempo começou a receber a presença de outras pessoas fugidas. Nessa dinâmica, para abrigar os novos integrantes se desenvolveram técnicas de agricultura e construções de moradias. A noticia do quilombo - palavra do idioma Mbundu que tem como significado acampamento, fortaleza - foi se espalhando por Recife e cada vez mais escravos fugidos enfrentavam as mais diversas dificuldades para chegar ao local. Com o imenso contingente de pessoas que foram se espalhando pelos mais de 200 km de território, a divisão politica e econômica passou a ser representadas pelos diversos agrupamentos chamados de mocambos, que possuíam uma liderança e uma organização do trabalho determinada por sua localização. A liderança do mais importante mocambo chamado Macaco, Ganga Zumba, se tornou por sua influencia e seus conhecimentos de guerra - que agora eram amplamente necessários frente a já conhecida localização de Palmares por parte dos governadores das Capitanias e a sanha dos senhores de Engenho em destruí-lo para acabar com seu exemplo - passou a ser considerado uma espécie de Rei. Sobre o sua liderança muitas batalhas contras os capitães do mato contratados pelos governadores foram vencidas e o crescimento do Quilombo teve seu ápice de desenvolvimento contando, entre 1624 e 1654, com mais de 35 mil habitantes dos quais muitos não eram todos só ex escravos negros com também índios e imigrantes vindos de outros lugares.
Os enfrentamentos a partir daí se tornaram cada vez mais frequentes. Em cada investida, mesmo com as mais distintas formas de defesa que contava Palmares, muitos mocambos eram destruídos, mesmo que nunca se tenha desarticulado a totalidade do quilombo que tinha também estratégias de reconstrução após os ataques. É nesse processo que surge a figura de Zumbi, sobrinho de Ganga Zumba, que já se destacava por suas mais vastas táticas de resistência e sua participação incansável da regulação das atividades palmarinas, que agora também organizava brigadas para entrar nos engenhos e libertar outros escravos. Os governadores das capitanias, já percebendo que a resistência do quilombo não seria destruída com táticas de guerra convencionais, formularam uma outra forma de controle. Uma proposta foi enviada por parte da corte dizendo que Palmares teria por fim a paz, com o fim de investidas por parte da mesma se aceitasse a se tornar reduto português que implicaria a se submeter aos regulamentos da capitania. Essa proposta, que pareceu razoável frente as grandes perdas que haviam sofrido os quilombolas, foi aceita por Ganga Zumba. Para Zumbi, no entanto, aceitar aquele tratado era destruir o verdadeiro sentido de Palmares que mais do que a liberdade para seus integrantes tinha como reivindicação o fim de toda as formas de escravidão no Brasil. A essa posição de Zumbi se uniram outras lideranças de outros mocambos que resultou no assassinato a Ganga Zumba e a elevação de Zumbi a novo Rei de Palmares.
Combatendo os mais diversos golpes dos governadores, o Quilombo dos Palmares resistiu mantendo sua avançada organização social. Foi apenas no ano de 1695, quando o Bandeirante Domingos Jorge Velho entrou na missão contando com o apoio de todos os senhores de escravos e de muitas outras capitanias, e mesmo assim, depois de vários meses de combate, muitos mocambos foram destruídos e Zumbi assassinato.
No século XX, a mão de obra brasileira, antes escrava, agora assalariada, viu-se obrigada a ocupar os extremos da cidade, numa posição periférica em relação ao centro, em razão da especulação imobiliária, fenômeno que surgiu com o desenvolvimento industrial e a urbanização de muitas cidades no Brasil. Surge, então, grandes contingentes de casas em morros, áreas de mananciais, terras distantes do centro comercial e industrial da cidade. E é a classe trabalhadora o inimigo principal da burguesia, que detém toda a estrutura de poder da sociedade.
A onda de assassinatos em São Paulo que começou em outubro desse ano, tanto no centro como em bairros pobres não é um fenômeno que se iniciou do nada ou de um conflito simples entre o PCC (Primeiro Comando da Capital) e a Polícia. Sabemos a quem a Polícia responde. Sobre o PCC não sabemos nada além da visão limitada que a mídia quer que enxerguemos. E quem sofre com toques de recolher e assassinatos todos os dias, além dos frequentes enquadramentos e humilhações por parte da polícia, é a população trabalhadora, moradores das periferias. Sem saber se é criminoso ou não, a polícia mata. A mídia fica com o papel de omitir as verdadeiras estatísticas.
Datas como o Dia da Consciência Negra é de grande importância, pois é uma data onde os debates sobre a questão do racismo tomam maior dimensão, e é nesses debates que devemos inserir um elemento importante: o fim do preconceito racial está intimamente ligado com a superação da sociedade capitalista.
J5J-SP
Agradecimentos à Paula A. pela discussão sobre o tema.
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