A Juventude 5 de Julho - São Paulo traduziu a entrevista que Mariela Castro, filha do presidente Raúl Castro, concedeu ao programa de televisão estadunidense Democracy Now!. Confira:
Parte 1
Mariela Castro, filha do Presidente cubano, ajuda a conduzir a luta pela alteração dos Direitos LGBT em Cuba
No especial do Democracy
Now!, começamos nosso momento sobre Cuba com uma rara entrevista com Mariela
Castro, filha do Presidente cubano Raúl Catro. Mariela Castro é mais conhecida
em Cuba por seu fervoroso apoio aos direitos de gays, lésbicas e transgêneros e
como diretora do Centro Nacional Cubano para Educação Sexual em Havana. Durante
uma rara visita aos EUA, Castro discute sobre seu trabalho em Cuba combatendo a
discriminação contra LGBTQ.
AMY GOODMAN: No especial
do Democracy Now!, começamos nosso programa hoje com uma rara entrevista para
os EUA com a filha do presidente cubano, Raúl Castro, e da Primeira Dama Vilma
Espín. Seu nome é Mariela Castro. Ela é mais bem conhecida em Cuba por seu
fervoroso apoio aos direitos de gays, lésbicas e transgêneros e como diretora
do Centro Nacional Cubano para Educação Sexual em Havana.
Mariela Castro
recentemente recebeu o visto para uma excepcional viagem aos Estados Unidos. O
Democracy Now! teve a chance de sentar com ela na última semana no Consulado
Cubano aqui em Nova York. Falamos não apenas sobre seu trabalho no combate à
homofobia, mas também sobre suas opiniões sobre os Cinco Cubanos e o que está
acontecendo em Cuba após 50 anos do embargo econômico. Ela pediu aos Estados
Unidos para libertar os Cinco Cubanos presos por espionagem de militantes violentos
anti-cubanos, em troca do cidadão estadunidense Alan Gross, que foi preso em
Cuba em 2009 e sentenciado a 15 anos sob a acusação de subversão. Ela diz
"Liberdade para os seis.”
Vamos agora para minha
entrevista com Mariela Castro. Eu começo perguntando para ela sobre o que a
trouxe aos Estados Unidos. Mariela Castro teve tradução de Elizabeth Coll.
MARIELA CASTRO: Eu
apresentei meu trabalho no Congresso da Associação de Estudos Latino-Americanos,
o qual foi realizado semana passada em San Francisco. Eu também fui convidada
pela Associação Profissional Mundial para a Saúde dos Transgêneros ("World
Professional Association for Transgender Health", em inglês).
AG: Fale sobre o
trabalho que você realiza em Cuba.
MC: Eu sou a diretora do
Centro Nacional de Educação Sexual. Este é um centro acadêmico que faz parte do
Ministério da Saúde Pública. Sua missão é coordenar o programa nacional de
educação sexual com um enfoque multidisciplinar que coordena diferentes
setores.
AG: Por que você escolheu
fazer da sexualidade e das políticas de sexualidade uma causa sua? Você é
heterossexual. Você é casada com um homem. Você tem três filhos.
MC: Esse é trabalho que
minha mãe começou com a Federação de Mulheres Cubanas. Foi ela quem criou o
CENESEX (Centro Nacional de Educação Sexual). Apesar de ter trabalhado
profissionalmente com crianças na pré-escola e adolescentes, enquanto ouvia
sobre as dificuldades da população LGBT, eu comecei a simpatizar com suas
necessidades e seus problemas. Muitos casais LGBT's escolheram fazer sessões de
aconselhamento comigo, e enquanto os ouvia, eu comecei a estudar, a encontrar
meios para poder ajudá-los.
AG: Você veio aos EUA num
momento interessante. O presidente Obama declarou que é a favor do casamento
homossexual, igualitário. O que você acha sobre isso?
MC: Eu acho muito válido
que o presidente dos Estados Unidos fale publicamente a favor dos direitos de
casais do mesmo sexo. Por ser o país mais poderoso no mundo, o que o presidente
diz tem grande influência no resto do mundo.
AG: Nós ainda não
atravessamos a barreira da lei que diz que casamentos do mesmo sexo são
aceitos. E em Cuba, também não. O que você faz em Cuba para mudar essas leis?
MC: Em Cuba, o CENESEX
está conduzindo uma estratégia educacional, com o apoio da mídia, para promover
respeito pela livre e responsável orientação sexual e identidade de gênero.
Também estamos fazendo algumas defesas com instituições do Estado e
organizações da sociedade civil, para que eles apoiem essa estratégia educacional.
Além da estratégia educacional e de nossa estratégia de mídia, também estamos
promovendo iniciativas legislativas que apoiam os mesmo direitos para
homossexuais e pessoas transgêneras, para que, por exemplo, o código familiar
reconheça os direitos dessas pessoas assim como suas possibilidades como
casais, a legalização de sua união como casal.
AG: Você está reivindicando o casamento entre pessoas do mesmo sexo em Cuba?
MC: Estou promovendo o
casamento, mas ele não é aceito por muitos grupos da população. Então, o que
estamos negociando é a legalização de uniões consensuais e que a legalização
dessas uniões possa garantir, mais que qualquer coisa, seus direitos de
propriedade, direitos de herança.
AG: Então, casais homossexuais
têm os mesmo direitos econômicos que casais heterossexuais?
MC: Todos os direitos são
garantidos para todas as pessoas. Não há exclusão de pessoas LGBT. Mas onde
ainda não há respeito por seus direitos é em relação à garantia de que se um
membro de um casal homossexual morre, o que está vivo seja reconhecido como a
pessoa que deve receber a herança, ou mesmo apenas poder gozar dos bens que
eles tinham como um casal.
AG: Presumivelmente, você
tem a sensibilidade de seu pai, o presidente de Cuba. Como ele se sente sobre
tornar totalmente igualitário [os direitos] entre casais homo e heterossexuais?
MC: Ele está convencido
de que é necessário, de que é parte do projeto de justiça plena que a Revolução
Cubana propõe.
AG: Assim como você, ele
apoia?
MC: Ele tem apoiado desde
antes, quando minha mãe trabalhava nessas causas.
AG: E em relação a gays e
lésbicas no serviço militar?
MC: Em toda a sociedade
cubana há todos os tipos de pessoas. No exército, também, há gays e lésbicas.
Eles não manifestam isso em público, mas estão lá.
AG: Se soubessem, se eles
fossem assumidos, eles seriam expulsos do serviço militar?
MC: Eu vejo que as regras
se tornaram mais flexíveis. Claro, antes, eles [militares] eram mais rígidos.
Eu acho que em toda a sociedade cubana, a polícia e as leis estão se tornando
mais flexíveis. E o mesmo acontecerá com o exército.
AG: Mariela Castro, filha
do presidente Raúl Castro. Ela é uma proeminente ativista dos direitos
homossexuais. Continuaremos nossa conversa. Ela irá falar sobre os Cinco
Cubanos, sobre o presidente Obama e mais após o intervalo.
Parte 2
Mariela Castro sobre o fim do embargo econômico e a troca dos Cinco
Cubanos pelo empreiteiro estadunidense Alan Gross
Mariela Castro, filha do Presidente Cubano Raúl Castro, pede aos EUA
pela libertação dos Cinco Cubanos presos por espionagem de militantes
anti-Cubanos na Flórida, em troca de Alan Gross, cidadão estadunidense preso em
Cuba. Os Cinco Cubanos foram condenados em 2001 por cometerem espionagem no sul
da Flórida. Eles dizem que não estavam espionando nos EUA, mas tentando
monitorar grupos cubanos violentos da extrema-direita que têm organizado
ataques contra Cuba. "Eu quero que os Cinco Cubanos voltem para Cuba e que
Alan Gross volte para casa" diz Castro. "Eu quero um fim para o
bloqueio financeiro, comercial e econômico que viola os direitos humanos da
população cubana, e a normalização das relações entre ambos os países."
AMY GOODMAN: Voltamos com a minha conversa com Mariela Castro, a filha
do Presidente cubano Raúl Castro. Eu perguntei a ela sobre os Cinco Cubanos, os
cinco homens condenados em 2001 por espionagem a militantes violentos anticastristas
nos Estados Unidos.
MARIELA CASTRO: Como parte da população cubana, eu estou comprometida a
lutar pela libertação dos cinco cubanos, neste caso, quatro cubanos que estão
presos e um que está em liberdade condicional em Miami. E, realmente, eles
estão cumprindo sentenças muito severas que não correspondem com os indícios.
Não existem indícios para sentenças tão severas. Se eles tivessem sido julgados
com justiça, já teriam cumprido suas sentenças. E, no entanto, eles ainda são
prisioneiros.
AG: Ouso dizer que a maioria dos americanos não sabe nem quem eles
[cinco cubanos] são e porque estão na cadeia. Você pode explicar?
MC: Isso tem sido silenciado porque é um tipo de vingança política. Você
sabe que Cuba, desde o início da revolução, tem sido vítima de ataques
terroristas, organizados e perpetrados por grupos terroristas com base em Miami,
por cubanos que até mesmo confessaram serem assassinos. Eles confessaram seus
crimes, até em livros publicados e entrevistas na televisão. Mas eles não foram
julgados. Contudo, Cuba tem mais de 5 mil vítimas do estado de terrorismo entre
mortos e feridos. Portanto, como sociedade, como uma nação soberana, temos o
direito de defender-nos, e o fazemos pacificamente.
Como? Infiltrando cubanos que se identificam com a revolução,
infiltrando-os nesses grupos terroristas para alertar o governo cubano quando
esses ataques terroristas irão acontecer, a fim de poder evitar os ataques e
defender nossa população. Esses grupos terroristas desfrutam de grande poder
econômico e político na Flórida, e mais, foram feitos julgamentos que violam as
leis dos Estados Unidos, e eles foram feitos em Miami por juízes totalmente
parciais que se opõem ao processo da Revolução Cubana.
AG: O governo cubano estaria aberto para uma troca de prisioneiros, os
Cinco Cubanos por Alan Gross, que foi preso pelo governo cubano?
MC: O governo cubano expressa interesse em encontrar uma solução
negociada em termos humanitários, e claro que está disposto a negociar com o
governos dos EUA. Mas nenhuma resposta foi recebida.
AG: Membros do Congresso Cubano-Americano nos EUA condenaram a
administração Obama por terem te dado o visto para entrar nos EUA. Díaz-Balart,
o deputado Díaz-Balart, disse “é espantoso que a administração Obama esteja
recebendo agentes do alto nível da ditadura Castro em solo estadunidense.
Enquanto isso, a população cubana está lutando por liberdades básicas em face
da repressão cada vez mais brutal...”
Ileana Ros-Lehtinen diz “Mariela Castro faz parte de uma ditadura
impiedosa que tem oprimido a população cubana por mais de meio século. Ela quer
“vomitar” as mentiras e as propagandas do regime falido de sua família e não
quer responder as perguntas de uma mídia livre e independente.”
MC: Eu não vou responder à medíocre “mídia amarela” que ela tenta impor
em mim, que por 50 anos tem espalhado mentiras sobre a Revolução Cubana. Eu
também quero dizer que esses deputados cubanos que você mencionou, todos nos
EUA e em Cuba sabem que eles promovem leis que violam os direitos de americanos
que viajam a Cuba, que violam os direitos da comunidade cubana e dos descendentes
cubanos nos EUA, que são 1,8 milhões de pessoas, de viajar livremente a Cuba
para se reunir com seus familiares. Essas pessoas estão constantemente
promovendo leis que pioram o bloqueio econômico. E com o governo revolucionário
por mais de 50 anos, a população cubana encontrou liberdade e plena justiça.
AG: Você pôde entrar nos EUA durante a administração Bush.
MC: Eu entrei em 2002 para outro congresso em Los Angeles.
AG: O que uma suspensão do bloqueio dos EUA contra Cuba significaria
para seu país, Mariela Castro?
MC: Em primeiro lugar, significaria que o governo dos EUA começaria a
respeitar a lei internacional. Significaria o início do fim de uma das maiores
violações humanas, que sofreu a população cubana por causa do bloqueio. Para
Cuba, significaria acesso ao desenvolvimento que tem sido limitado pelo
bloqueio. E americanos e cubanos poderiam se encontrar amigavelmente, sem
mediação desses inescrupulosos deputados que manipulam a política dos EUA
frente a Cuba, em serviço de seu próprio poder e interesses econômicos, e não
em função das necessidades dos cubanos, tanto dentro como fora de Cuba.
AG: Seu pai, o Presidente Castro, tem feito
uma transição em Cuba. Você pode falar sobre as mudanças que você considera
mais importantes que a população dos EUA entenda?
MC: Uma das mais importantes mudanças é que a
nova estratégia econômica e social tem sido designada com total participação da
população cubana, que tem participado dos debates, tanto sobre a realidade
atual quanto para propor as mudanças que devem ser feitas.
AG: Há muita discussão sobre uma Cuba
pós-Castro. Como você acha que será?
MC: A mesma – com a mesma estratégia de
desenvolvimento socialista, que está sempre procurando por mecanismos mais
eficientes de apoio social, justiça e soberania nacional, e também com novas
figuras públicas, porque há muitas pessoas participando em Cuba de todas as
decisões. Então isso significaria novos rostos para a mídia. Mas para os
cubanos, esses rostos não seriam novos.
AG: Você se consideraria para a presidência de
Cuba?
MC: Não. Esse trabalho não me interessa.
AG: Por quê?
MC: Eu gosto do meu trabalho.
AG: Existem outros governos socialistas na
América Latina – Bolívia, Venezuela – onde há eleições. Cuba poderia ir nessa
direção?
MC: Eu penso que Cuba expressa publicamente
quais serão os mecanismos da eleição popular, e o que está sendo proposto para
aperfeiçoá-los, não repetir o que os outros fazem.
AG: E como seria isso?
MC: Bem, fazemos isso agora através de
mecanismos de eleição popular. São as pessoas que nominam seus representantes. Limites
de mandatos foram estabelecidos e o presidente, meu pai, está incluído nestes
termos. Esse tem sido o resultado de uma discussão popular, dar oportunidades
para outros, para que eles assumam suas responsabilidades. E os mecanismos de
controle estão sendo aperfeiçoados para que as pessoas tenham acesso ao
controle dos mecanismos de poder.
AG: Como está a saúde de seu tio, Fidel
Castro?
MC: Eu só quero adicionar que em Cuba nós não
temos campanhas eleitorais, e o Partido Comunista não exclui candidatos. E os
representantes não recebem salário adicional. E os legisladores não recebem um
salário adicional, porque eles ainda estão fazendo seu trabalho. Então posições
de poder em Cuba não geram interesses econômicos nas pessoas.
Fidel parece estar indo muito bem. Ele é um
octogenário, então ele não tem a mesma vitalidade que o caracterizou toda a
vida – aquela que onde tivesse um problema, Fidel estava lá com o povo
procurando por soluções; quando tivesse uma ameaça de perigo, Fidel estava bem
lá na frente de seu povo. Fidel está agora nos dando o privilégio de seus
escritos, seus escritos da história. Há coisas que só ele sabe. E ele está nos
deixando um maravilhoso legado histórico que oferece ao povo cubano uma força
espiritual sem preço.
AG: Como ele sobrevive? Eu acredito que são
mais de 600 tentativas de assassinatos por parte dos EUA, pelo menos umas
centenas. A CIA documenta muitos deles.
MC: Eu penso que há três coisas. Primeiro, seu
carisma e seu senso de justiça convence até seus executores. Acima de tudo, ele
foi um líder do povo cubano, ele é o líder máximo do povo cubano, e as pessoas
sempre o protegem. Mas ele é também um líder do Terceiro Mundo. E os países que
ele visitou, onde ataques foram organizados, a maioria organizada pela CIA,
essas mesmas populações [desses países] o protegeram.
AG: Qual é a sua avaliação do Presidente
Obama?
MC: O presidente Obama representa um governo e
uma política imperialistas. Então se você me pergunta “você o prefere? Você
gosta dele como presidente?” eu diria que eu prefiro um presidente que responda
aos interesses da população americana, que proteja os pobres das ações
arbitrárias dos ricos, e que respeite a lei internacional. Eu tenho uma
impressão muito pessoal que o Obama é uma pessoa que tenta ser justo. Mas
enquanto ocupando a posição de presidência dos EUA, é muito difícil ser justo.
No entanto, eu sou uma pessoa que sempre gosta de pensar positivo, e eu
gostaria de acreditar que Obama num segundo mandato será um ser humano melhor e
um melhor presidente.
AG: Você mencionou problemas de pobreza e
igualdade. Qual é a sua avaliação do movimento Ocupa nos EUA?
MC: É muito interessante para mim como a
população americana encontrou novas linguagens e formas de luta, uma nova
linguagem para lutar por suas demandas sociais. E eles o fazem pacificamente e
com profundo raciocínio. Eu não acho que eles são contra o governo. Eles são
contra as políticas que violam seus direitos. E eu sinto admiração pela coragem
dessas pessoas.
AG: O que você mais gostaria de ver mudar nos
EUA?
MC: Eu quero que os Cinco Cubanos voltem para
Cuba e que Alan Gross vá para casa. Eu quero um fim ao bloqueio financeiro,
comercial e econômico que viola os direitos humanos da população cubana, e a
normalização das relações entre os dois países.
AG: E o que você mais gostaria de ver mudar em
Cuba?
MC: Em Cuba, eu quero ver o sistema socialista
fortalecido com os mecanismos que estão sempre mais participativos e democráticos,
e que a soberania de Cuba seja sempre respeitada.
AG: Mariela Castro, filha do presidente Cubano
Raúl Castro. Ela é a mais proeminente defensora dos direitos dos gays, lésbicas
e transgêneros em Cuba. Ela pede aos EUA pela libertação dos Cinco Cubanos
presos aqui. Eles espiavam militantes anti-cubanos nos EUA. Em troca, diz ela,
Cuba deverá libertar Alan Gross, um cidadão estadunidense preso em Cuba.
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