terça-feira, 28 de agosto de 2012

Mariela Castro fala sobre direitos LGBT em Cuba, os Cinco Heróis, o embargo econômico, entre outros assuntos



A Juventude 5 de Julho - São Paulo traduziu a entrevista que Mariela Castro, filha do presidente Raúl Castro, concedeu ao programa de televisão estadunidense Democracy Now!. Confira:




Parte 1 

Mariela Castro, filha do Presidente cubano, ajuda a conduzir a luta pela alteração dos Direitos LGBT em Cuba

No especial do Democracy Now!, começamos nosso momento sobre Cuba com uma rara entrevista com Mariela Castro, filha do Presidente cubano Raúl Catro. Mariela Castro é mais conhecida em Cuba por seu fervoroso apoio aos direitos de gays, lésbicas e transgêneros e como diretora do Centro Nacional Cubano para Educação Sexual em Havana. Durante uma rara visita aos EUA, Castro discute sobre seu trabalho em Cuba combatendo a discriminação contra LGBTQ.

AMY GOODMAN: No especial do Democracy Now!, começamos nosso programa hoje com uma rara entrevista para os EUA com a filha do presidente cubano, Raúl Castro, e da Primeira Dama Vilma Espín. Seu nome é Mariela Castro. Ela é mais bem conhecida em Cuba por seu fervoroso apoio aos direitos de gays, lésbicas e transgêneros e como diretora do Centro Nacional Cubano para Educação Sexual em Havana.
Mariela Castro recentemente recebeu o visto para uma excepcional viagem aos Estados Unidos. O Democracy Now! teve a chance de sentar com ela na última semana no Consulado Cubano aqui em Nova York. Falamos não apenas sobre seu trabalho no combate à homofobia, mas também sobre suas opiniões sobre os Cinco Cubanos e o que está acontecendo em Cuba após 50 anos do embargo econômico. Ela pediu aos Estados Unidos para libertar os Cinco Cubanos presos por espionagem de militantes violentos anti-cubanos, em troca do cidadão estadunidense Alan Gross, que foi preso em Cuba em 2009 e sentenciado a 15 anos sob a acusação de subversão. Ela diz "Liberdade para os seis.”
Vamos agora para minha entrevista com Mariela Castro. Eu começo perguntando para ela sobre o que a trouxe aos Estados Unidos. Mariela Castro teve tradução de Elizabeth Coll.

MARIELA CASTRO: Eu apresentei meu trabalho no Congresso da Associação de Estudos Latino-Americanos, o qual foi realizado semana passada em San Francisco. Eu também fui convidada pela Associação Profissional Mundial para a Saúde dos Transgêneros ("World Professional Association for Transgender Health", em inglês).

AG: Fale sobre o trabalho que você realiza em Cuba.

MC: Eu sou a diretora do Centro Nacional de Educação Sexual. Este é um centro acadêmico que faz parte do Ministério da Saúde Pública. Sua missão é coordenar o programa nacional de educação sexual com um enfoque multidisciplinar que coordena diferentes setores.

AG: Por que você escolheu fazer da sexualidade e das políticas de sexualidade uma causa sua? Você é heterossexual. Você é casada com um homem. Você tem três filhos.

MC: Esse é trabalho que minha mãe começou com a Federação de Mulheres Cubanas. Foi ela quem criou o CENESEX (Centro Nacional de Educação Sexual). Apesar de ter trabalhado profissionalmente com crianças na pré-escola e adolescentes, enquanto ouvia sobre as dificuldades da população LGBT, eu comecei a simpatizar com suas necessidades e seus problemas. Muitos casais LGBT's escolheram fazer sessões de aconselhamento comigo, e enquanto os ouvia, eu comecei a estudar, a encontrar meios para poder ajudá-los.

AG: Você veio aos EUA num momento interessante. O presidente Obama declarou que é a favor do casamento homossexual, igualitário. O que você acha sobre isso?

MC: Eu acho muito válido que o presidente dos Estados Unidos fale publicamente a favor dos direitos de casais do mesmo sexo. Por ser o país mais poderoso no mundo, o que o presidente diz tem grande influência no resto do mundo.

AG: Nós ainda não atravessamos a barreira da lei que diz que casamentos do mesmo sexo são aceitos. E em Cuba, também não. O que você faz em Cuba para mudar essas leis?

MC: Em Cuba, o CENESEX está conduzindo uma estratégia educacional, com o apoio da mídia, para promover respeito pela livre e responsável orientação sexual e identidade de gênero. Também estamos fazendo algumas defesas com instituições do Estado e organizações da sociedade civil, para que eles apoiem essa estratégia educacional. Além da estratégia educacional e de nossa estratégia de mídia, também estamos promovendo iniciativas legislativas que apoiam os mesmo direitos para homossexuais e pessoas transgêneras, para que, por exemplo, o código familiar reconheça os direitos dessas pessoas assim como suas possibilidades como casais, a legalização de sua união como casal.

AG: Você está reivindicando o casamento entre pessoas do mesmo sexo em Cuba?

MC: Estou promovendo o casamento, mas ele não é aceito por muitos grupos da população. Então, o que estamos negociando é a legalização de uniões consensuais e que a legalização dessas uniões possa garantir, mais que qualquer coisa, seus direitos de propriedade, direitos de herança.

AG: Então, casais homossexuais têm os mesmo direitos econômicos que casais heterossexuais?

MC: Todos os direitos são garantidos para todas as pessoas. Não há exclusão de pessoas LGBT. Mas onde ainda não há respeito por seus direitos é em relação à garantia de que se um membro de um casal homossexual morre, o que está vivo seja reconhecido como a pessoa que deve receber a herança, ou mesmo apenas poder gozar dos bens que eles tinham como um casal.

AG: Presumivelmente, você tem a sensibilidade de seu pai, o presidente de Cuba. Como ele se sente sobre tornar totalmente igualitário [os direitos] entre casais homo e heterossexuais?

MC: Ele está convencido de que é necessário, de que é parte do projeto de justiça plena que a Revolução Cubana propõe.

AG: Assim como você, ele apoia?

MC: Ele tem apoiado desde antes, quando minha mãe trabalhava nessas causas.

AG: E em relação a gays e lésbicas no serviço militar?

MC: Em toda a sociedade cubana há todos os tipos de pessoas. No exército, também, há gays e lésbicas. Eles não manifestam isso em público, mas estão lá.

AG: Se soubessem, se eles fossem assumidos, eles seriam expulsos do serviço militar?

MC: Eu vejo que as regras se tornaram mais flexíveis. Claro, antes, eles [militares] eram mais rígidos. Eu acho que em toda a sociedade cubana, a polícia e as leis estão se tornando mais flexíveis. E o mesmo acontecerá com o exército.

AG: Mariela Castro, filha do presidente Raúl Castro. Ela é uma proeminente ativista dos direitos homossexuais. Continuaremos nossa conversa. Ela irá falar sobre os Cinco Cubanos, sobre o presidente Obama e mais após o intervalo.



Parte 2

Mariela Castro sobre o fim do embargo econômico e a troca dos Cinco Cubanos pelo empreiteiro estadunidense Alan Gross

Mariela Castro, filha do Presidente Cubano Raúl Castro, pede aos EUA pela libertação dos Cinco Cubanos presos por espionagem de militantes anti-Cubanos na Flórida, em troca de Alan Gross, cidadão estadunidense preso em Cuba. Os Cinco Cubanos foram condenados em 2001 por cometerem espionagem no sul da Flórida. Eles dizem que não estavam espionando nos EUA, mas tentando monitorar grupos cubanos violentos da extrema-direita que têm organizado ataques contra Cuba. "Eu quero que os Cinco Cubanos voltem para Cuba e que Alan Gross volte para casa" diz Castro. "Eu quero um fim para o bloqueio financeiro, comercial e econômico que viola os direitos humanos da população cubana, e a normalização das relações entre ambos os países."

AMY GOODMAN: Voltamos com a minha conversa com Mariela Castro, a filha do Presidente cubano Raúl Castro. Eu perguntei a ela sobre os Cinco Cubanos, os cinco homens condenados em 2001 por espionagem a militantes violentos anticastristas nos Estados Unidos.

MARIELA CASTRO: Como parte da população cubana, eu estou comprometida a lutar pela libertação dos cinco cubanos, neste caso, quatro cubanos que estão presos e um que está em liberdade condicional em Miami. E, realmente, eles estão cumprindo sentenças muito severas que não correspondem com os indícios. Não existem indícios para sentenças tão severas. Se eles tivessem sido julgados com justiça, já teriam cumprido suas sentenças. E, no entanto, eles ainda são prisioneiros.

AG: Ouso dizer que a maioria dos americanos não sabe nem quem eles [cinco cubanos] são e porque estão na cadeia. Você pode explicar?

MC: Isso tem sido silenciado porque é um tipo de vingança política. Você sabe que Cuba, desde o início da revolução, tem sido vítima de ataques terroristas, organizados e perpetrados por grupos terroristas com base em Miami, por cubanos que até mesmo confessaram serem assassinos. Eles confessaram seus crimes, até em livros publicados e entrevistas na televisão. Mas eles não foram julgados. Contudo, Cuba tem mais de 5 mil vítimas do estado de terrorismo entre mortos e feridos. Portanto, como sociedade, como uma nação soberana, temos o direito de defender-nos, e o fazemos pacificamente.

Como? Infiltrando cubanos que se identificam com a revolução, infiltrando-os nesses grupos terroristas para alertar o governo cubano quando esses ataques terroristas irão acontecer, a fim de poder evitar os ataques e defender nossa população. Esses grupos terroristas desfrutam de grande poder econômico e político na Flórida, e mais, foram feitos julgamentos que violam as leis dos Estados Unidos, e eles foram feitos em Miami por juízes totalmente parciais que se opõem ao processo da Revolução Cubana.

AG: O governo cubano estaria aberto para uma troca de prisioneiros, os Cinco Cubanos por Alan Gross, que foi preso pelo governo cubano?

MC: O governo cubano expressa interesse em encontrar uma solução negociada em termos humanitários, e claro que está disposto a negociar com o governos dos EUA. Mas nenhuma resposta foi recebida.

AG: Membros do Congresso Cubano-Americano nos EUA condenaram a administração Obama por terem te dado o visto para entrar nos EUA. Díaz-Balart, o deputado Díaz-Balart, disse “é espantoso que a administração Obama esteja recebendo agentes do alto nível da ditadura Castro em solo estadunidense. Enquanto isso, a população cubana está lutando por liberdades básicas em face da repressão cada vez mais brutal...”

Ileana Ros-Lehtinen diz “Mariela Castro faz parte de uma ditadura impiedosa que tem oprimido a população cubana por mais de meio século. Ela quer “vomitar” as mentiras e as propagandas do regime falido de sua família e não quer responder as perguntas de uma mídia livre e independente.”

MC: Eu não vou responder à medíocre “mídia amarela” que ela tenta impor em mim, que por 50 anos tem espalhado mentiras sobre a Revolução Cubana. Eu também quero dizer que esses deputados cubanos que você mencionou, todos nos EUA e em Cuba sabem que eles promovem leis que violam os direitos de americanos que viajam a Cuba, que violam os direitos da comunidade cubana e dos descendentes cubanos nos EUA, que são 1,8 milhões de pessoas, de viajar livremente a Cuba para se reunir com seus familiares. Essas pessoas estão constantemente promovendo leis que pioram o bloqueio econômico. E com o governo revolucionário por mais de 50 anos, a população cubana encontrou liberdade e plena justiça.

AG: Você pôde entrar nos EUA durante a administração Bush.

MC: Eu entrei em 2002 para outro congresso em Los Angeles.

AG: O que uma suspensão do bloqueio dos EUA contra Cuba significaria para seu país, Mariela Castro?

MC: Em primeiro lugar, significaria que o governo dos EUA começaria a respeitar a lei internacional. Significaria o início do fim de uma das maiores violações humanas, que sofreu a população cubana por causa do bloqueio. Para Cuba, significaria acesso ao desenvolvimento que tem sido limitado pelo bloqueio. E americanos e cubanos poderiam se encontrar amigavelmente, sem mediação desses inescrupulosos deputados que manipulam a política dos EUA frente a Cuba, em serviço de seu próprio poder e interesses econômicos, e não em função das necessidades dos cubanos, tanto dentro como fora de Cuba.

AG: Seu pai, o Presidente Castro, tem feito uma transição em Cuba. Você pode falar sobre as mudanças que você considera mais importantes que a população dos EUA entenda?

MC: Uma das mais importantes mudanças é que a nova estratégia econômica e social tem sido designada com total participação da população cubana, que tem participado dos debates, tanto sobre a realidade atual quanto para propor as mudanças que devem ser feitas.

AG: Há muita discussão sobre uma Cuba pós-Castro. Como você acha que será?

MC: A mesma – com a mesma estratégia de desenvolvimento socialista, que está sempre procurando por mecanismos mais eficientes de apoio social, justiça e soberania nacional, e também com novas figuras públicas, porque há muitas pessoas participando em Cuba de todas as decisões. Então isso significaria novos rostos para a mídia. Mas para os cubanos, esses rostos não seriam novos.

AG: Você se consideraria para a presidência de Cuba?

MC: Não. Esse trabalho não me interessa.

AG: Por quê?

MC: Eu gosto do meu trabalho.

AG: Existem outros governos socialistas na América Latina – Bolívia, Venezuela – onde há eleições. Cuba poderia ir nessa direção?

MC: Eu penso que Cuba expressa publicamente quais serão os mecanismos da eleição popular, e o que está sendo proposto para aperfeiçoá-los, não repetir o que os outros fazem.

AG: E como seria isso?

MC: Bem, fazemos isso agora através de mecanismos de eleição popular. São as pessoas que nominam seus representantes. Limites de mandatos foram estabelecidos e o presidente, meu pai, está incluído nestes termos. Esse tem sido o resultado de uma discussão popular, dar oportunidades para outros, para que eles assumam suas responsabilidades. E os mecanismos de controle estão sendo aperfeiçoados para que as pessoas tenham acesso ao controle dos mecanismos de poder.

AG: Como está a saúde de seu tio, Fidel Castro?

MC: Eu só quero adicionar que em Cuba nós não temos campanhas eleitorais, e o Partido Comunista não exclui candidatos. E os representantes não recebem salário adicional. E os legisladores não recebem um salário adicional, porque eles ainda estão fazendo seu trabalho. Então posições de poder em Cuba não geram interesses econômicos nas pessoas.

Fidel parece estar indo muito bem. Ele é um octogenário, então ele não tem a mesma vitalidade que o caracterizou toda a vida – aquela que onde tivesse um problema, Fidel estava lá com o povo procurando por soluções; quando tivesse uma ameaça de perigo, Fidel estava bem lá na frente de seu povo. Fidel está agora nos dando o privilégio de seus escritos, seus escritos da história. Há coisas que só ele sabe. E ele está nos deixando um maravilhoso legado histórico que oferece ao povo cubano uma força espiritual sem preço.

AG: Como ele sobrevive? Eu acredito que são mais de 600 tentativas de assassinatos por parte dos EUA, pelo menos umas centenas. A CIA documenta muitos deles.

MC: Eu penso que há três coisas. Primeiro, seu carisma e seu senso de justiça convence até seus executores. Acima de tudo, ele foi um líder do povo cubano, ele é o líder máximo do povo cubano, e as pessoas sempre o protegem. Mas ele é também um líder do Terceiro Mundo. E os países que ele visitou, onde ataques foram organizados, a maioria organizada pela CIA, essas mesmas populações [desses países] o protegeram.

AG: Qual é a sua avaliação do Presidente Obama?

MC: O presidente Obama representa um governo e uma política imperialistas. Então se você me pergunta “você o prefere? Você gosta dele como presidente?” eu diria que eu prefiro um presidente que responda aos interesses da população americana, que proteja os pobres das ações arbitrárias dos ricos, e que respeite a lei internacional. Eu tenho uma impressão muito pessoal que o Obama é uma pessoa que tenta ser justo. Mas enquanto ocupando a posição de presidência dos EUA, é muito difícil ser justo. No entanto, eu sou uma pessoa que sempre gosta de pensar positivo, e eu gostaria de acreditar que Obama num segundo mandato será um ser humano melhor e um melhor presidente.

AG: Você mencionou problemas de pobreza e igualdade. Qual é a sua avaliação do movimento Ocupa nos EUA?

MC: É muito interessante para mim como a população americana encontrou novas linguagens e formas de luta, uma nova linguagem para lutar por suas demandas sociais. E eles o fazem pacificamente e com profundo raciocínio. Eu não acho que eles são contra o governo. Eles são contra as políticas que violam seus direitos. E eu sinto admiração pela coragem dessas pessoas.

AG: O que você mais gostaria de ver mudar nos EUA?

MC: Eu quero que os Cinco Cubanos voltem para Cuba e que Alan Gross vá para casa. Eu quero um fim ao bloqueio financeiro, comercial e econômico que viola os direitos humanos da população cubana, e a normalização das relações entre os dois países.

AG: E o que você mais gostaria de ver mudar em Cuba?

MC: Em Cuba, eu quero ver o sistema socialista fortalecido com os mecanismos que estão sempre mais participativos e democráticos, e que a soberania de Cuba seja sempre respeitada.

AG: Mariela Castro, filha do presidente Cubano Raúl Castro. Ela é a mais proeminente defensora dos direitos dos gays, lésbicas e transgêneros em Cuba. Ela pede aos EUA pela libertação dos Cinco Cubanos presos aqui. Eles espiavam militantes anti-cubanos nos EUA. Em troca, diz ela, Cuba deverá libertar Alan Gross, um cidadão estadunidense preso em Cuba.

Original em: Parte 1  e Parte 2.
Entrevista com tradução simultânea em espanhol, clique aqui.

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