domingo, 2 de setembro de 2012

Incêndios nas favelas de São Paulo


Em menos de duas semanas foram mais de quatro incêndios. Cerca de 280 moradores da Favela Areão, zona oeste, tiveram suas casas atingidas pelo fogo na tarde do dia 17/08. No dia 23, os moradores de 95 barracos da favela da Vila Prudente tiveram também suas moradias queimadas, assim como na favela da Paixão em São Miguel Paulista, onde 85 famílias perderam seus pertences no incêndio que ocorreu na última terça-feira (28). Só neste ano já foram 27 favelas incendiadas, número que mostra um agravamento na incidência desse problema quando relacionado com outros anos. Por fazer parte de uma estrutura pré-estabelecida, estão longe de representar casos meramente acidentais e esbarram em questões relacionadas desde a estrutura habitacional até a propriedade dentro do contexto histórico.
Em 12 de setembro de 1850 surgiu a primeira lei que regulamentava a posse da terra no Brasil. A chamada Lei de Terras, de número 601, estabeleceu a atividade de Compra e Venda como reguladora da distribuição dos terrenos que teriam a posse protegida por lei. Porém, mesmo que em tese se tenha rompido a relação que classificava a hereditariedade como o ponto crucial para a apropriação dos espaços, o preço pelo qual eram vendidos, limitaram a distribuição das parcelas do território aos antigos latifundiários herdeiros. Dessa forma, na passagem do modo de produção escravista para o assalariado, combinados às diversas lutas pela libertação, os escravos “libertados”saiam dos domínios dos antigos senhores sem recursos para se estabelecer socialmente, longe de terem condições para constituir uma habitação.
A ocupação se tornou assim a única opção, principalmente para os escravos livres, mas também aos imigrantes pobres recém chegados da Europa, para constituírem sua moradia. Mesmo assim, a ocupação da terra era constantemente denunciada pela elite conservadora, o que os impulsionava a se somar aos quilombolas organizados nas regiões periféricas das cidades, onde o acesso para as forças de controle imperial era mais difícil. Com o passar dos anos o crescimento populacional impulsionou também o aumento do contingente desses quilombos, que concentravam a massa mais pobre e excluída da população. Nesse processo se constituíram as favelas dando a elas características como a de terem sido desde o inicio de sua constituição um perigo para as elite por seu caráter de resistência no interior dos quilombos, além do fato de ser negra a grande maioria da população favelada.
Com a fascistização do Estado brasileiro, as políticas para desestruturar a organização histórica das comunidades, principalmente através do tráfico de drogas junto ao terror das forças de segurança, somam-se à falta de recursos básicos e à precariedade nas construções na difícil situação que tem de enfrentar o proletário para ter onde morar. Em São Paulo, onde os empresários que vivem às custas da especulação imobiliária têm seus representantes diretos nas estruturas parlamentares, há um interesse pesado sobre as áreas ocupadas. A falta de escolas, postos de saúde, saneamento, etc, impulsiona nessas regiões a redução dos preços dos terrenos, dessa forma, tem-se um valor barato quando comprado por grandes empresas que mais para frente, com a ajuda de politicas públicas, terão recursos instituídos em torno de seus empreendimentos que serão valorizados. E a favela que ocupa o terreno desejado? O que se faz com ela?
As famílias da favela Viela da Paz, em Itaquera, vivem a difícil situação de se encontrarem a menos de 1km do Itaquerão, estádio que está em obras para abrigar os jogos da Copa do Mundo de 2014. Nos projetos ligados a Secretaria do Verde onde estão previstas as mudanças que terá o bairro nos próximos anos, principalmente por conta do evento esportivo, está prevista a remoção total dessa favela. 
É nesse cenário que o incêndio se instaura como opção econômica, pois tira do Estado a incumbência de realocação dessas pessoas, e quando muito paga um bolsa aluguel irrisório, que não é compatível com o valor dos aluguéis na cidade. Paga-se alguém para fazer isso e então, está pronto! O lugar está liberado para uso.
De certo há também incêndios causados por outros motivos, a exemplo dos curtos ocasionados pelas precárias instalações elétricas que são frequentes, mas que não deixam de ser responsabilidade desse mesmo Estado, que não provê para estas populações condições seguras e dignas de moradia. Estes são exemplos de despejos indiretos, nos quais o Estado não age diretamente, mas permite que as condições se agravem de tal maneira que a própria população abandona o local por não conseguir mais sobreviver naquele espaço. De qualquer maneira, o modo como ocorrem em sua grande maioria estes incêndios, geralmente seguidos por outras tentativas de despejo forçados das famílias, revelam uma prática que virou praxe dos governantes paulistas.

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