Em menos de
duas semanas foram mais de quatro incêndios. Cerca de 280 moradores da Favela
Areão, zona oeste, tiveram suas casas atingidas pelo fogo na tarde do dia
17/08. No dia 23, os moradores de 95 barracos da favela da Vila Prudente
tiveram também suas moradias queimadas, assim como na favela da Paixão em São
Miguel Paulista, onde 85 famílias perderam seus pertences no incêndio que
ocorreu na última terça-feira (28). Só neste ano já foram 27 favelas incendiadas,
número que mostra um agravamento na incidência desse problema quando relacionado
com outros anos. Por fazer parte de uma estrutura pré-estabelecida, estão longe
de representar casos meramente acidentais e esbarram em questões relacionadas
desde a estrutura habitacional até a propriedade dentro do contexto histórico.
Em 12 de
setembro de 1850 surgiu a primeira lei que regulamentava a posse da terra no
Brasil. A chamada Lei de Terras, de número 601, estabeleceu a atividade de
Compra e Venda como reguladora da distribuição dos terrenos que teriam a posse
protegida por lei. Porém, mesmo que em tese se tenha rompido a relação que
classificava a hereditariedade como o ponto crucial para a apropriação dos
espaços, o preço pelo qual eram vendidos, limitaram a distribuição das parcelas
do território aos antigos latifundiários herdeiros. Dessa forma, na passagem do
modo de produção escravista para o assalariado, combinados às diversas lutas
pela libertação, os escravos “libertados”saiam dos domínios dos antigos
senhores sem recursos para se estabelecer socialmente, longe de terem condições
para constituir uma habitação.
A ocupação se
tornou assim a única opção, principalmente para os escravos livres, mas também
aos imigrantes pobres recém chegados da Europa, para constituírem sua moradia.
Mesmo assim, a ocupação da terra era constantemente denunciada pela elite
conservadora, o que os impulsionava a se somar aos quilombolas organizados nas
regiões periféricas das cidades, onde o acesso para as forças de controle
imperial era mais difícil. Com o passar dos anos o crescimento populacional
impulsionou também o aumento do contingente desses quilombos, que concentravam
a massa mais pobre e excluída da população. Nesse processo se constituíram as
favelas dando a elas características como a de terem sido desde o inicio de sua
constituição um perigo para as elite por seu caráter de resistência no interior
dos quilombos, além do fato de ser negra a grande maioria da população
favelada.
Com a
fascistização do Estado brasileiro, as políticas para desestruturar a
organização histórica das comunidades, principalmente através do tráfico de
drogas junto ao terror das forças de segurança, somam-se à falta de recursos
básicos e à precariedade nas construções na difícil situação que tem de
enfrentar o proletário para ter onde morar. Em São Paulo, onde os empresários que
vivem às custas da especulação imobiliária têm seus representantes diretos nas
estruturas parlamentares, há um interesse pesado sobre as áreas ocupadas. A
falta de escolas, postos de saúde, saneamento, etc, impulsiona nessas regiões a
redução dos preços dos terrenos, dessa forma, tem-se um valor barato quando
comprado por grandes empresas que mais para frente, com a ajuda de politicas públicas,
terão recursos instituídos em torno de seus empreendimentos que serão
valorizados. E a favela que ocupa o terreno desejado? O que se faz com ela?
As famílias da
favela Viela da Paz, em Itaquera, vivem a difícil situação de se encontrarem a
menos de 1km do Itaquerão, estádio que está em obras para abrigar os jogos da
Copa do Mundo de 2014. Nos projetos ligados a Secretaria do Verde onde estão
previstas as mudanças que terá o bairro nos próximos anos, principalmente por
conta do evento esportivo, está prevista a remoção total dessa favela.
É nesse
cenário que o incêndio se instaura como opção econômica, pois tira do Estado a
incumbência de realocação dessas pessoas, e quando muito paga um bolsa aluguel irrisório,
que não é compatível com o valor dos aluguéis na cidade. Paga-se alguém para
fazer isso e então, está pronto! O lugar está liberado para uso.
De certo há
também incêndios causados por outros motivos, a exemplo dos curtos ocasionados
pelas precárias instalações elétricas que são frequentes, mas que não deixam de
ser responsabilidade desse mesmo Estado, que não provê para estas populações
condições seguras e dignas de moradia. Estes são exemplos de despejos
indiretos, nos quais o Estado não age diretamente, mas permite que as condições
se agravem de tal maneira que a própria população abandona o local por não
conseguir mais sobreviver naquele espaço. De qualquer maneira, o modo como
ocorrem em sua grande maioria estes incêndios, geralmente seguidos por outras
tentativas de despejo forçados das famílias, revelam uma prática que virou
praxe dos governantes paulistas.
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