O Brasil seja pelas estruturas de articulação da economia , seja pelo
receituário da economia política oficial, será arrastado, independente
da força da organização subjetiva da classe revolucionária no país, ao
inexorável abismo da erosão do paradigma do valor
O governo da presidenta Dilma
Rousseff está beirando o abismo da crise do capital que se desenrola nos
países de economia avançada e centros imperialistas, nomeadamente nos
EUA, União Europeia e Japão. Embora seja mais visível nos países
periféricos da Europa do Euro (Grécia, Irlanda, Portugal, Espanha,
Itália, Holanda, etc.), seu epicentro está na Alemanha, Inglaterra e
França, a exemplo do Japão para o sudeste asiático e dos Estados Unidos
para a América do Norte e o mundo. É importante destacar este fato
porque a crise se apresenta num quadro complexo, a bancarrota das
dívidas públicas dos países da periferia escondem os dados reais sobre
sua natureza objetiva e significado histórico, confundem-se com as
crises gerais ou setoriais da estrutura do sistema que se apresentam
ciclicamente (ou conjunturalmente) na indústria (Juglar),
estoque/comercial (Kitney), ou financeira (Schumpeter) ou até mesmo as
que condensam todos estes fatores em aspectos de uma crise de longa
duração (Kondratiev). Mas, se a crise atual constitui-se num fenômeno
qualitativamente novo, que fundamento teria para arrastar o Brasil e a
América do Sul, seguindo a lógica do bloco continental da geopolítica
mundial, em seu moinho de vento?
Como sabem os estudiosos (de fato) da
economia política, todas estas interpretações das crises do capitalismo
são derivadas do extraordinário trabalho de pesquisa, sistematização e
análise realizada por Marx, em O Capital. É a
partir dele que as crises passam a tomar parte como fenômeno intrínseco
ao sistema capitalista. E sem recorrer-se a esta verdadeira Meca do
conhecimento do sistema contemporâneo da civilização ocidental que
abarca, direta e indiretamente, o mundo, não é possível compreender a
diferença da crise atual para as crises já conhecidas e sistematizadas
por Marx, que uma vez e outra são pintadas de fresco pelos economistas
“da hora” e reapresentadas como algo inédito que supera o próprio Marx.
Como é sabido também, a Economia Política clássica e neoclássica, seja
na versão moderna do marginalismo historicista neokeynesiano, ou
monetarista neoliberal, não passa de um prolongamento da concepção dos
desequilíbrios do sistema, definidos por Ricardo como elemento
estrutural do mesmo, que o impulsiona adiante, e da interpretação vulgar
de Baptiste Says que atribui tais fatores a fenômenos extrínsecos que
provocam turbulências conjunturais no sistema. O mais elevado que a
economia política oficial assimila em relação às crises é a aceitação do
ciclo econômico fundado nas teses do subconsumo derivadas de Sismondi e
Malthus (Marx, 2009, pp.362-363); mas nestes casos, a dieta monetária é
apresentada como solução e, na falha desta, “a mão visível do Estado”;
seja na manutenção da dinâmica do ciclo econômico, seja na histórica
solução da guerra imperialista (destruição das forças produtivas já
desenvolvidas, conquista de novos mercados, e intensificação da
exploração nos já existentes) (Marx, 1848).
Naturalmente, pensando o capitalismo
enquanto sistema de abrangência nacional, regional e mundial não causa
espanto algum se detectar a interconexão entre as economias nacionais e
regionais na dinâmica de articulações da economia mundial em termos de
mercado, produção, finanças, técnicas de organização e instrumentos de
trabalho, entre outros elementos da divisão técnica e social do
trabalho. Este fato parece óbvio para explicar as relações de
interconexão causal entre a economia brasileira e a economia mundial ou
com os países diretamente vinculados à sua dinâmica econômica, entre
estes, os países centrais da Europa, Estados Unidos e Japão. Não é
possível escamotear a relação causal entre a crise no sudeste asiático
no final dos anos 90 e a crise no Brasil no entre governo FHC; do mesmo
modo, não é possível escamotear também a mesma relação com a crise nos
EUA na primeira década deste século e, finalmente, a crise que passou a
viver a Europa a partir da década atual. Esta conexão visível pode não
se expressar como nas conjunturas de ápice das crises anteriores em
índices negativos do PIB brasileiro, que apesar da mão visível do estado
através de políticas anticrises, não foram suficientes para manter a
dinâmica do ciclo econômico, embora comparativamente o Brasil tenha
sofrido menos que as economias em crise. Contudo, a questão nova
colocada pela crise do capital não está na intensidade do impacto que
ela causa na economia do país, mas na contínua erosão que provoca sobre
os fundamentos do sistema econômico, contraditoriamente, a cada processo
de superação do maior ou menor impacto provocado no mesmo.
E por que as crises que se
desenvolvem no Japão, EUA e Europa atuam sobre o sistema econômico
nacional conduzindo-o à beira do abismo da crise do capital? A resposta
não é simples e toda simplificação o máximo a que conduz é a uma
hipótese aparentemente razoável. No caso de nossas investigações
fundadas no trabalho de Marx é possível condensar as leis que levam à
crise geral do sistema do capital, partindo da conjugação tendencial
destas - a lei do valor, a lei da acumulação e a lei populacional
(superpopulação relativa). Elas impulsionam a queda da taxa de lucro,
indicando o default da economia em relação ao propósito do
sistema: a mais-valia e o lucro. É desnecessária a exaustiva descrição
destas leis e suas combinações tendenciais. A história que constitui a
afirmação do valor enquanto trabalho social necessário em escala de
tempo é extensa e quase impossível de reconstituir em sua totalidade,
apenas é possível se estabelecer seu duplo caráter pelo desdobramento do
trabalho entre sua forma concreta e sua forma abstrata, cujo nó é a
regra de ouro do mercado soldada pela propriedade privada e a troca de
equivalentes. Mas neste caso a corruptela do virtus do trabalho
vivo em equivalência em tempo ao trabalho morto expõe a contradição da
lei fundamental do sistema e revela a fratura entre o valor abstrato
(dinheiro) e o valor de uso (mercadoria), que se agrava de acordo com as
revoluções nas técnicas no processo de produção e na circulação do
capital. A lei geral da acumulação conduz a livre iniciativa ao
monopólio, concentra as forças produtivas sociais (capital, trabalho,
ciência e educação), elevando a composição orgânica e as contradições
entre trabalho morto (capital) e trabalho vivo (força de trabalho), no
movimento de acumulação (reprodução simples à ampliada), que se expressa
na concentração de enorme riqueza em um ínfimo polo da população (a
classe burguesa) e na absurda miséria e “todas as torturas do trabalho
no polo daqueles que produzem seu próprio produto como capital” (o
proletariado), vigendo então a lei demográfica do exército industrial de
reserva ou superpopulação relativa. É nesta confluência de fatores e
tendências que a crise se apresenta no ciclo econômico e passa à lei
gravitacional de todo o sistema. As ações políticas governamentais,
econômicas, jurídicas e ideológicas se voltam para o ciclo, os
interesses de classes se aguçam e a convulsão social se instaura.
Mas tudo isto já é um filme muito
conhecido, e cada lado ou lados do problema já tem seu saco de soluções e
medidas – às vezes saco de maldades – como disse certa vez certo
economista no Governo FHC, e hoje, dizem outros fora das luzes da
ribalta. Mas a questão fundamental, como enunciada anteriormente, não
está apenas no ciclo pela incidência de todas as leis do sistema em
tendências combinadas ao default, na verdade, a crise atual
expressa um elemento novo que é a erosão do paradigma fundamental do
sistema: a lei do valor, devido à perda de efetividade do seu paradigma
de mensuração pelo tempo social necessário. A tese é de simples
compreensão, pois se trata de um processo histórico e empiricamente
comprovável, segundo o critério da lógica formal, aquela que é do gosto
dos positivistas de plantão, uma vez que não é difícil identificar e
qualificar os dois movimentos mais gerais de desenvolvimento do sistema
capitalista no mundo, antes e após a revolução industrial no século
XVIII, como fases em que predominam um tipo de técnica de acumulação de
capital – a mais-valia absoluta ou a mais-valia relativa - a partir do
que inegavelmente foi considerada a oficina do mundo ou berço da
revolução industrial: a Inglaterra (ENGELS, 1983). Estas fases de
desenvolvimento podem ser definidas como extensivas (ou absolutas) e
intensivas (ou relativas). Também se pode identificá-las como
predominantemente extrovertida ou predominantemente introvertida. Além
disto, pode-se considerar tal assertiva a partir da fase de expansão
nacional do sistema da forma extensiva à intensiva, mediada pela
revolução na técnica e força estatal que, no limite de desenvolvimento
destas, eleva o capitalismo da livre concorrência à fase de exportação
de capitais, ou como disse Lênin, “passagem da livre concorrência ao
monopólio”, ao “Imperialismo” (LÊNINE, 1986), que por sua vez reproduz o
processo em escala mundial.
Considerando que a aceitação de tais
fases no desenvolvimento do sistema do capitalismo é verdadeira e no
curso do desenvolvimento extensivo a tendência predominante das
contradições ao mesmo são de ordem nacional (como afirmou Marx e Engels
no Manifesto Comunista de 1848), e que diante das mesmas a solução do
imperialismo é a destruição das forças produtivas, conquista de novos
mercados e exploração mais intensiva dos já existentes, então se pode
concluir que este tipo de desenvolvimento exige necessariamente a guerra
como instrumento nacional, racional e política por outros meios, como
formulou Clausewitz, no século XVIII. Mas ao se raciocinar por esta
abstração do desenvolvimento histórico do capital, não se pode esquecer o
processo que se segue em alternativa à solução cataclísmica da guerra,
que é o desenvolvimento intensivo ou relativo, que aprofunda a
exploração pela acumulação via a mais-valia relativa, ou seja, a
revolução tecnológica através do emprego da ciência e da técnica, bem
como do adestramento profissional na produção de mais-valia. Assim, é de
bom alvitre entender que antes das soluções cataclísmicas a burguesia
sempre recorre aos métodos do “saber como poder”; daí se pode supor que
antes das crises mais agudas que levam às guerras como solução de última
instância, ou até mesmo como consequência das mesmas, a revolução
tecnológica pelo emprego da ciência exerce um papel fundamental para o
sistema. Logo, como pressuposto ou suposto, a alteração da composição
orgânica do capital é o elemento permanente que se desenvolve como causa
e consequência das crises do sistema, levando à erosão do seu
fundamento principal: a lei do valor.
O aumento da composição orgânica do
capital acompanha todo o processo da revolução industrial, de
substituição da força de trabalho humano viva pelo trabalho morto (a
máquina, ou autômato perfeito). Quem estudou com atenção a obra de Marx
observou o desenvolvimento de objetivação do trabalho humano em
máquina-ferramenta, máquina motor e nos instrumentos de controle e
direção da máquina. Se relacionarmos estas fases, ver-se-á que o
desenvolvimento da máquina ferramenta está, grosso modo, diretamente
vinculado à fase de desenvolvimento do capital fundada na técnica da
mais-valia absoluta; o mesmo raciocínio pode-se estabelecer entre o
desenvolvimento da máquina motor e a fase em que predomina a técnica da
mais-valia relativa. Com a revolução informacional chega-se à fase atual
em que os limites do sistema extensivo e intensivo se esgotaram
visivelmente [ver Dos Santos (1987)] impossibilitando combinações
técnicas, dado o máximo de elevação da composição orgânica do capital,
expressas na crise de acumulação e na inversão absoluta do crescimento
relativo da taxa de lucro global média. Assim, a equação que expressa a
taxa de lucro, L'= C' (c+v+m) – C (c+v) / C (c+v), que pode ser
simplificada em L' = m / c+v, condensa as duas variáveis, c (capital
constante) e v (capital variável), cuja relação proporcional expressa a
composição orgânica do capital e a variação da soma, mantendo-se m
(massa de mais-valia) invariável, determina absoluta e relativamente a
tendência decrescente da taxa de lucro, logo, o declínio do crescimento
econômico do sistema. Não é necessário demonstrar o equívoco dos
argumentos que veem inconsistência nos modelos matemáticos dos esquemas
de reprodução de Marx, entre os departamentos I e II, bem como sua
determinação da taxa média global de lucro. O trabalho de Rosdolsky, Gênese e estrutura de O Capital de Karl Marx (2001, pp. 407-419), não deixa dúvida quanto a efetividade dos modelos e esquemas.
Desta forma, quanto maior a
composição orgânica, ou seja, mais “c” (trabalho morto) do que “v”
(trabalho vivo), em condições de esgotamento do padrão de acumulação e
taxa de mais-valia invariável, a tendência é cair continuamente o valor
da mercadoria ao limite em que o paradigma de mensuração do valor - o
tempo de trabalho socialmente necessário - perde a efetividade e
significado histórico para sociedade. Diante deste fato, a tendência
histórica do modo de produção capitalista à crise de transição se
apresenta fundada, seja através da ação subjetiva das classes
revolucionárias face às crises estruturais do sistema, que se apresentam
em conjunturas cíclicas ou períodos revolucionários; seja como
resultado da erosão objetiva dos paradigmas fundantes do sistema, entre
estes, aquele que ocupa a base e propósito das relações sociais
dominantes na economia, na política e na ideologia, como é o caso do
paradigma de valor e riqueza social. Portanto, a questão nova
apresentada pela crise do capital desdobra-se da contradição enunciada
há mais de um século e meio por Marx e Engels no Manifesto de
1848, quando afirmam: “como a burguesia vence estas crises? De um lado,
pela destruição forçada de uma massa de forças produtivas, de outro
pela conquista de novos mercados e a exploração mais intensiva dos
antigos. E de que modo faz isto? Preparando crises mais extensas e mais
violentas e diminuindo os meios de preveni-las.” (MARX & ENGELS,
1973, pp.116-117). Quem relacione esta enunciação de superação de crises
pela preparação de outras maiores e inexoráveis chegará à conclusão que
a superação das crises pela burguesia no século XX preparou a crise do
capital e seu sistema, que se vivencia nestas duas primeiras décadas do
século XXI.
O Brasil dado a sua conexão com a
economia dos centros imperialistas, seja pelas estruturas de articulação
da economia (exportações, importação, fluxo financeiro, dívida pública e
privada, taxa de câmbio, tecnologia, etc.), seja pelo receituário da
economia política oficial, será arrastado, independente da força da
organização subjetiva da classe revolucionária no país, ao inexorável
abismo da erosão do paradigma do valor – isto é, a perda da efetividade
da relação tempo/trabalho necessário como medida de riqueza na
sociedade. Tal processo é derivado das distintas composições orgânicas
de capital das economias interconectadas, que por relação inversa na
composição de valor do trabalho objetivado remonta as trocas desiguais,
como instrumento fundamental de sustentação do PIB dos países
imperialistas e da economia mundial. Nesta lógica, a apropriação do
tempo excedente dos países em que vige o paradigma do tempo/ trabalho
necessário é para os países do capitalismo avançado a condição de
sustentação das relações capitalistas de produção e consumo, mesmo que
objetivamente vija já como fundamento da economia o paradigma do
tempo/trabalho livre social dada a redução ao mínimo do tempo necessário
em relação ao excedente. Nestas condições, cada crise vivida pelos
países capitalistas em desenvolvimento e os subdesenvolvidos, que é
superada com base no paradigma da mais-valia relativa pelo aumento da
composição orgânica do capital, a tendência histórica é cada vez mais
caminhar para o abismo da crise de paradigma de valor. Eis o mistério
que arrasta o Brasil à crise do capital e o segredo também da campanha
dos centros imperialistas pela economia verde. Esta última se apresenta
cada vez mais como antolho à tendência histórica da crise do capital, de
transitar do paradigma do tempo/trabalho necessário para tempo/trabalho
livre social, que exige, inexoravelmente, a transformação de todas as
relações sociais de produção do capitalismo para um modo de produção
social superior: o comunismo.
Abaixo a economia verde neoliberal!
Pelo veto ao Código Florestal!
Ousar Lutar, Ousar Vencer!
Junho de 2012
Pelo OC do PCML
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